Observatório da Deficiência e Direitos Humanos

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01-07-2015 | Quase 450 pessoas com deficiência sozinhas e sem dignidade em Portugal

01-07-2015 - Estão em situação de vulnerabilidade, sozinhas, sem o mínimo de dignidade humana, sem acesso a serviços sociais básicos e sem verem respeitados direitos de cidadania. São pelo menos 447 as pessoas nesta situação em solo português. Mas estima-se que haja muito mais. Há vítimas de violência doméstica, sexual, negligência e exploração. Os primeiros números foram reunidos em apenas quatro meses pela GNR.

A igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência continua a ser uma batalha. Os pedidos de ajuda não param de aumentar e uma boa parte vive sozinha, com rendimentos de cerca de 200 euros por mês, segundo a Associação Portuguesa de Deficientes (APD). As autoridades e algumas instituições de solidariedade social uniram-se e estão a desenvolver no terreno programas de apoio.

"É o rótulo de coitadinho"

“Eu preciso de ajuda para me levantar, para fazer a higiene pessoal, etc., e acho que as pessoas, nesse aspeto, pensam que uma pessoa que está nessa situação (…) não pensa como uma pessoa que faz tudo sozinha (…) Acho que o modo que tratam as pessoas, um bocado imaturas, como crianças e, pronto, e pessoas que só precisam de comer e dormir e mais nada, basicamente. (…) É o rótulo de coitadinho”.

(Homem, 29 anos) Fonte: ODDH

A Guarda Nacional Republicana está a desenvolver um Programa de Apoio a Pessoas com Deficiência. Arrancou em dezembro do ano passado e, entre janeiro e abril de 2015, foram identificados 447 deficientes "em situação de vulnerabilidade".

No sentido de prestar uma resposta mais personalizada e adaptada aos problemas concretos da população considerada mais vulnerável, a GNR teve necessidade de implementar um programa para “promoção dos direitos e garantias de condições de vida dignas às pessoas com deficiência, procurando envolver, de forma proativa, a comunidade para atender, compreender, respeitar as necessidades e diferenças de cada um, permitindo a igualdade de oportunidades, e para a prevenção de situações de negligência, violência e maus-tratos a estas pessoas”.

Neste âmbito, entre os meses de janeiro e abril deste ano, a Guarda sensibilizou 3.569 pessoas para questões de cidadania e não discriminação; 737 pessoas com deficiência foram sensibilizadas; 447 foram sinalizadas em situação de vulnerabilidade; 46 foram sinalizadas a outras instituições e 91 pessoas passaram a integrar o Programa Residência Segura, cujo objetivo é prevenir a criminalidade contra as comunidades, maioritariamente estrangeiras, residentes em locais isolados.

GNR no terreno

De acordo com o major Paulo Poiares, da GNR, neste programa há diversos eixos de ação, nomeadamente “sensibilizar as próprias pessoas com deficiência, os familiares ou quem presta cuidados a essas pessoas, de alguns comportamentos mais corretos a nível de sensibilização criminal, sensibilizar os nossos próprios militares para algumas medidas que poderão ser tomadas aquando da abordagem de uma pessoa com deficiência”.

“Muitas vezes fazem anos, pronto, fazem programas, é raríssimo convidarem-me para alguma coisa e isso faz-me sentir triste, desanimado, faz-me sentir inferior”.

(Homem, 58 anos) Fonte: ODDH

Segundo este responsável da GNR, existem diversos casos, “desde questões alimentares, a falta de apoio, questões de higiene e também questões financeiras”. Para Ana Sesudo, da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), “a GNR acabou por ter em conta aquilo que eram as nossas indicações e iniciou o programa”.

“Em Portugal não existe um estudo concreto e real sobre o número de pessoas com deficiência que vivem em Portugal, muito menos do número de pessoas com deficiência que vivem em situação de isolamento. Realmente preocupa-nos porque nos parece já um número muito elevado, tendo em conta o período tão curto em que decorre esta sinalização”, disse Ana Sesudo ao site da RTP.

No interior do país, “as pessoas estão realmente cada vez mais isoladas. Surgem cada vez mais casos de pessoas com deficiência que estão, em muitas situações, quase ao abandono”, refere a mesma responsável.

 

Observatório do ISCSP fez monitorização

“Portugal tem feito avanços no plano legislativo, desde logo com a publicação de alguns diplomas que têm vindo a consagrar, no plano jurídico, os Direitos Humanos que estão previstos também na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que Portugal assinou e ratificou. Mas depois, na aplicação destes princípios e destas normas, há uma grande distância”, disse ao site da RTP Paula Campos Pinto, coordenadora do ODDH, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

“Eu preciso de ajuda e no futuro se houvesse intérprete era um alívio para nós. Se não houver ninguém para me ajudar, nem pai nem mãe nem família, como é que é? Num hospital, no tribunal, na polícia, na segurança social, num banco, deveriam ter intérprete. É um direito! Os surdos necessitam de intérprete, isso seria bom!

(Mulher, 26 anos) Fonte: ODDH

O Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em parceria com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, fez uma monitorização dos Direitos Humanos das pessoas com deficiência em Portugal, estudo publicado em julho de 2014.

A investigação monitorizou os direitos das pessoas com deficiência em Portugal, a partir da análise de 60 entrevistas aprofundadas a pessoas com deficiência, com idades entre os 12 e os 70 anos, em três regiões do país (Lisboa, Região Norte e Região Sul) e da avaliação das políticas públicas da deficiência em Portugal.

“Na maioria dos casos relatam-nos situações de violação ou negação de direitos humanos, nas diversas áreas, desde a educação onde é visível a falta de meios humanos e materiais nas escolas inclusivas para tornar efetiva essa inclusão; no mercado do trabalho, onde as pessoas continuam a ter muita dificuldade, continuam a ser percepcionadas como incompetentes, inaptas, vistas apenas pelo prisma da incapacidade e não da sua formação, da sua competência; na área da vida independente, onde faltam os apoios ao nível dos transportes, das acessibilidades e do apoio personalizado, para que estas pessoas possam de facto ter as ajudas que necessitam”, salientou a investigadora Paula Campos Pinto.

 

Prevenção com Significativo Azul da PSP
E nos últimos anos têm sido desenvolvidos alguns programas, como é o caso do Significativo Azul, que está no terreno desde dezembro do ano passado e é uma parceria entre a Polícia de Segurança Pública, a Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social (FENACERCI), o Instituto Nacional de Reabilitação (INR) e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).

“Chamaram-me e eu fui à entrevista. Entretanto, disseram-me que não e eu fiquei desapontada. Fui-me embora. (…) Porque pensavam que eu não conseguia comunicar, não conseguia trabalhar, que eu era uma ignorante. (…) O patrão pensa que ao nível de capacidade não sabem palavras, que não sabem arrumar as coisas, ou o champô, ou a comida, ou as frutas, ou como é que há-de comunicar, como é que há-de fazer. Pensam isso, disseram que não, pronto.”

(Mulher, 26 anos) Fonte: ODDH

O programa pretende contribuir para a melhoria no atendimento e encaminhamento das pessoas com deficiência, por parte dos elementos da PSP e dotar os elementos da autoridade de ferramentas específicas de comunicação, acessíveis à população com deficiência intelectual e/ou multideficiência.

“Quando existem casos de suspeitas de casos de violência e, sobretudo, envolvendo as famílias, ou outro tipo de crimes ainda mais graves, que possam estar a ocorrer e que, até hoje, estavam a passar sem monitorização”, disse ao site da RTP o subintendente Hugo Guinote, coordenador da Divisão de Prevenção Pública e Proximidade.

“O que nós pretendemos é através de uma intervenção preventiva e, tanto quanto possível, pedagógica, irmos detectando estes casos e promovermos depois a agilização”.

A avaliação objetiva a este programa só será feita no final deste ano, por isso não nos foram facultados resultados concretos. No entanto, a PSP referiu que tem conhecimento de “situações de pessoas com deficiência que eram vítimas de maus tratos no seu espaço residencial (quer por familiares diretos quer por cuidadores) e casos de violência sexual”, adiantou o subintendente Hugo Guinote.

Trata-se de sensibilizar e formar as organizações da área da deficiência e reabilitação para uma cultura de prevenção de situações de violência e maus tratos contra pessoas com deficiência intelectual e/ou multideficiência.

“As pessoas com deficiência vivem os mesmos problemas que a generalidade dos grupos com mais vulnerabilidades vivem, como é o caso dos idosos e das crianças. Se pensarmos particularmente nas pessoas com deficiência intelectual e multideficiência, vivem o problema acrescido de muitas vezes não terem capacidade de auto-representação, isto é, de se dirigirem a uma autoridade para apresentarem uma queixa”, disse à RTP Rogério cação, vice-presidente Fenacerci.

“As situações que nos interessa mais prevenir são a negligência, as situações de violência, particularmente, as situações de violência doméstica, as situações de exploração e da violência sexual”. O presidente da Fenacerci considera ainda que o financiamento é sempre escasso e que “os financiamentos do INR deviam ser mais substanciais para apoiar este tipo de iniciativas que se propõem mudar as coisas. Portanto, aquilo que eu desejaria que acontecesse era que houvesse uma majoração deste tipo de projetos que, eventualmente, podem dar contributos fundamentais para melhorar os sistemas que temos em vigor em Portugal”.

“O meu marido faz-me companhia mas é um bocadinho malcriado. Chega a casa trata-me mal, até com uma faca já me ofereceu, ele trata-me muito mal desde que chego a casa, começa-me a chamar nomes [choro] começa-me tudo e eu sinto-me já cansada de ouvir a voz dele, [choro] manda-me com as coisas para o chão, pisa-me as coisas, e eu… já estou farta! Não tenho ninguém que me ajude!”.

(Mulher, 56 anos)

Rogério Cação considera que as coisas estão melhores, mas quer ver cumprida a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. “Aquilo que nós esperamos do Estado português é que a estratégia para o cumprimento da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que é uma estratégia nacional para a deficiência, que está definida, seja concretizada na prática. A RTP contactou o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social para obter esclarecimentos sobre este assunto, mas até ao momento não obteve quaisquer esclarecimentos.

 

Modo de fazer estatísticas foi alterado
Quanto a dados, em relação aos censos de 2001, do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de pessoas com deficiência recenseadas situou-se em 634.408, das quais 333.911 eram homens e 300.497 eram mulheres, representando 6,1 por cento da população residente (6,7 por cento da população masculina e 5,6 por cento da feminina).

Desagregando por tipos de deficiência, pode verificar-se que a taxa de incidência da deficiência visual era a mais elevada representando 1,6 por cento do total de população, com a mesma proporção entre homens e mulheres.

Os indivíduos com deficiência auditiva registavam uma percentagem mais baixa 0,8 por cento, também com valores relativos muito semelhantes entre os dois sexos: 0,9 por cento de homens e 0,8 por cento de mulheres.

A deficiência motora registou valores mais diferenciados entre os dois sexos, pois, enquanto nas mulheres esta proporção foi de 1,3 por cento, nos homens elevou-se a 1,8 por cento; no conjunto da população a proporção de indivíduos com alguma deficiência deste tipo cifrou-se em 1,5 por cento.

A população com deficiência mental situou-se nos 0,7 por cento, representando 0,8 por cento na população masculina e 0,6 por cento na população feminina.

A paralisia cerebral foi o tipo de deficiência com a menor incidência na população recenseada, ligeiramente superior entre a população masculina.

O conjunto das outras deficiências, que inclui as não consideradas em qualquer dos outros tipos, cifrou-se em 1,4 por cento do total de indivíduos, 1,6 por cento nos homens e 1,2 por cento nas mulheres.

Já a análise segundo a estrutura etária permite evidenciar que a taxa de incidência agrava-se com a idade. No grupo de população mais jovem (menos de 16 anos) aquela era cerca de 1/3 mais baixa que os 6,1 por cento encontrados para o conjunto da população (2,2 por cento), enquanto no grupo dos idosos a taxa era mais do dobro da nacional (12,5 por cento).

A deficiência visual, a motora e as classificadas como outra são as principais responsáveis pelo aumento da taxa de incidência nas idades mais elevadas.

A distribuição percentual do total de pessoas com deficiência segundo o tipo por idades, revela que a importância relativa da paralisia cerebral é bastante superior entre a população jovem e que vai perdendo importância nas idades mais elevadas.

Por exemplo, entre a população deficiente com menos de 16 anos, a importância relativa dos indivíduos com paralisia cerebral era de 17,5 por cento, representando mais 11,4 pontos percentuais que a proporção do total de pessoas com deficiência com a mesma idade (6,1 por cento).

Em contrapartida no grupo dos 65 ou mais anos a mesma diferença era de -6.0 pontos percentuais.

Por outro lado, verifica-se que a importância relativa das deficiências auditivas e motoras aumenta consoante a idade dos indivíduos, bem visível no grupo da população idosa.

Em Portugal mais de metade da população com deficiência não possuía qualquer grau de incapacidade atribuído (53,5 por cento). A proporção da população com deficiência com um grau de incapacidade superior a 80 por cento era de 11,6 por cento.

A nível nacional a principal diferença entre sexos, no que se refere ao grau de incapacidade, dizia respeito ao não atribuído com um valor de 57,3 por cento para as mulheres e 50,1 por cento no caso dos homens.

Se tivermos em conta os últimos Censos, de 2011, cerca de 17,8 por cento (taxa de prevalência) da população com cinco ou mais anos de idade declarou ter muita dificuldade, ou não conseguir realizar, pelo menos, uma das seis atividades diárias (ver, ouvir, andar, memória/concentração, tomar banho/vestir-se, compreender/fazer-se entender). Na população com 65 ou mais anos, este indicador atinge os 50 por cento.

Nas pessoas com cinco ou mais anos e pelo menos uma dificuldade, andar, com 25 por cento das respostas, é a principal limitação manifestada. Cerca de 23 por cento das respostas identificam a dificuldade em ver, mesmo usando óculos ou lentes de contacto, sendo esta a segunda dificuldade mais representada.

Nos últimos dados do INE, nos Censos de 2011, as questões foram alteradas face aos Censos de 2001.

Em 2011, a informação recolhida tem como objetivo retratar as limitações das pessoas face a situações da vida real que, de algum modo, afetem a funcionalidade e a sua participação social.

Substituiu-se, desta forma, a avaliação baseada em diagnósticos de deficiências, por uma autoavaliação que privilegia a funcionalidade e a incapacidade.

Sandra Salvado com Sara Piteira – RTP

In site RTP | 01-07-2015

 

 

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